segunda-feira, 4 de julho de 2011

Era uma vez..

Era uma vez uma menina, que nasceu num país em guerra..
Os Pais dela decidiram levá-la para outro país, um país seguro, com novas oportunidades!
Mas como nem tudo pode ser contos de fadas, o país das oportunidades não era para já o que os Pais queriam para eles próprios, então deixaram a menina com a avó, (que já lá vivia há algum tempo) e voltaram para o país em guerra.
Afinal, a nossa terra é sempre a nossa terra!
Passados alguns anos os pais da menina separaram-se e o Pai decidiu ir para o país das oportunidades.
A menina entretanto vivia feliz com a avó, super-protegida de tudo e de todos até porque a menina era "diferente", tinha uma cor de pele diferente e naquele momento ainda eram raras as pessoas "diferentes", na escola as outras crianças eram cruéis para ela mas a menina não disse nada a ninguém até muitos anos depois.
Quando o Pai da menina foi viver com ela a menina pensou que as coisas iam mudar, ou voltar ao que eram, ou que pelo menos ia ter alguém com quem falar já que a avó da menina tinha um trabalho extenuante e que lhe estava também a agravar certos problemas de saúde dado que tinha já uma certa idade..
Mas tal não aconteceu, o Pai refugiou-se no álcool para tentar esquecer que no país das oportunidades não havia oportunidades para pessoas com o seu nível de intelecto, o Pai convivia com pessoas rudimentares que não o estimulavam a nenhum nível o que o fez fechar-se cada vez mais no álcool.
A menina entretanto crescia e, por muito "diferente" que fosse conseguia fazer amigos com cada vez mais facilidade mas era tão sobre-protegida que lhe era difícil manter amizades fora da escola pois não podia sair. A Avó estava também a educá-la para ser uma "senhora", o que no mundo moderno significa saber tratar de uma casa, saber fazer croché, coser, cozinhar, andar com uma certa pose, cruzar as pernas sempre, etc et cacetetra..
Começava a notar-se as diferenças no carácter da menina, aquela que tinha começado por ser uma miúda faladora, risonha e activa passou a uma miúda envergonhada, medrosa e solitária que tentava agradar a tudo e todos. A páginas tantas já não sabia quem era nem o que queria para si mesma, apenas queria agradar, desde que gostassem dela..
Começou a engordar, a comida era das poucas coisas que lhe dava prazer..
Um dia o Pai apanha mais uma das suas bebedeiras habituais de fim-de-semana e balbucia para a filha:
"A tua avó!
A tua avó é tua mãe!
Tu não tens mãe!"
A menina irritou-se (chamemos-lhe Kali), este homem que se encontrava à sua frente não era o seu Pai, o seu Pai tinha ficado no seu país, este era um impostor, um farrapo de pessoa que só bebia, como se atrevia ele a falar da Mãe! Essa memória perdida que Kali tentava a muito custo agarrar-se.
Kali respondeu:
" A avó é a avó!
Eu tenho mãe!"

"Não tens filha, a avó é a tua mãe..
A tua mãe morreu."
Foi como se um buraco se abrisse debaixo da terra.
Então isto é que era a vida dela? Não havia mais ninguém?
Iria passar a vida a estudar e a fazer tarefas domésticas sem ter ninguém com quem contar?
Ninguém que quisesse saber como fora o dia dela de escola?
Ninguém que compreendesse que era difícil ser diferente?
Ninguém que a apoiasse e a ajudasse a ser normal, por uma vez na vida...
Ela só queria a mãe de volta, tudo o que ela queria.. Era ter uma mãe!
Alguém que a abraçasse e lhe dissesse que estava tudo bem, mesmo que não fosse verdade..
Soube passado algum tempo que a sua mãe tinha morrido fazia já um ano..
E ninguém lhe tinha dito.

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